Vai contratar um influenciador digital? Conheça os cuidados jurídicos

O famoso marketing de influência é voltado para as ações que tenham como foco indivíduos exercendo a influência ou liderança sobre potenciais compradores.

Essa modalidade, exercida por digital influencers, tem se tornado um dos meios de publicidade mais efetivos dentro de algumas das estratégias de marketing.

No entanto, essa modalidade de contratação requer cuidados. Isso porque a marca e a reputação da sua empresa são os seus ativos mais valiosos.

A maioria das contratações realizadas com influenciadores são firmadas mediante e-mails ou aplicativos de mensagens, sem qualquer formalidade.

Além disso, ainda que haja a intermediação de uma plataforma de agenciamento, a maioria das contratações não passa por uma análise jurídica e, na maioria dos casos, existe sequer um contrato com o fim de resguardar direitos e obrigações das partes.

Convém destacar que, o alcance da mídia de influência é considerável, principalmente se levarmos em consideração o número alto de “seguidores” que costumam possuir nas redes sociais.

Nesse passo, é fácil compreender que eventuais impactos de uma disputa jurídica também são exponenciais, de forma que a assessoria jurídica preventiva se revela essencial.

Diante desse cenário, é importante deixar claro que o contratante se relacionará com os direitos de propriedade intelectual e direitos de imagem e voz do contratado. Por outro lado, o contratado também se relacionará com a propriedade intelectual do contratante.

Mas, quais cuidados jurídicos devo ter ao contratar um digital influencer?

Primeiro, deve ser obtida a autorização ou a licença, gratuita ou onerosa, do conteúdo criado pelo influencer, caso você não o tenha criado e deseje utilizá-lo nas suas atividades comerciais.

Segundo, ao criar conteúdo junto com o influencer, alinhe as expectativas, colocando-as no papel.

Isso quer dizer que é importante elaborar contratos de prestação de serviços ou contratos de parceria, deixando claro de quem será dos direitos econômicos em relação à propriedade intelectual desenvolvida, que pode até ser compartilhada entre as partes.

O contrato pode até prever cláusulas de confidencialidade, exclusividade ou não-concorrência.

Terceiro, caso os conteúdos sejam criados pela empresa contratante ou por agência terceirizada, mas com o uso da imagem/voz do influenciador, também é importante que as expectativas estejam alinhadas.

Portanto, caso a situação seja esta, podem ser celebrados contratos de prestação de serviços ou contratos de parceria, definindo a titularidade dos direitos econômicos em relação à propriedade intelectual.

Quarto, também é necessário obter a autorização de uso/licença de uso da imagem do influenciador(a) digital para fins comerciais.

Quinto,  caso o conteúdo ou parceria também envolva terceiros, é necessário celebrar contratos com esses terceiros (exemplo: empresas que querem realizar a divulgação de uma marca), que possuam uma cláusula de propriedade intelectual clara no que diz respeito à necessidade de zelo da sua propriedade intelectual, dos direitos de terceiros, bem como o respeito à imagem e à marca dos envolvidos.

Sexto, é importante que o conteúdo e a publicidade respeite os direitos dos consumidores e os Termos de Uso da plataforma ou rede social.

É bom lembrar que, em caso de eventual violação aos Termos de Uso da rede social, o influenciador ou modelo poderá ter sua conta/perfil excluído.

Por último, concursos e sorteios também devem cumprir regras específicas.

Riscos da contratação informal

Eventual exploração comercial dos direitos de propriedade intelectual de terceiros, sem autorização dos respectivos titulares, pode violar a Lei de Propriedade Industrial, Lei de Direitos Autorais e até mesmo legislações internacionais, a depender do alcance dos anúncios.

Além disso, a elaboração de um contrato também é importante para regular direitos e deveres, inclusive a forma e o prazo em que será feito o pagamento do profissional.

Para auxiliar na contratação de influenciadores digitais, a Associação Brasileira dos Agentes Digitais (ABRADI) preparou um manual, você pode acessá-lo clicando aqui.

Existe algum outro risco para o (a) digital influencer?

Sim! Todos aqueles que tenham intervindo no ato publicitário poderão ser responsabilizados caso seja feito de forma enganosa ou abusiva, violando, principalmente, o Código de Defesa do Consumidor.

Aliás, recentemente uma influenciadora foi condenada a restituir o valor de R$ 2.639,90. Em síntese, a autora da ação comprou um celular iPhone 8 Plus na loja indicada pela influenciadora, mas não recebeu o aparelho, ficando com o prejuízo. Você pode saber mais mais sobre o caso clicando aqui.

Por último, com a chegada da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), também é necessário cuidado com os dados pessoais do influencer.

Portanto, diante dessas considerações, a contratação de um digital influencer demanda assessoria jurídica especializada, para que a publicidade seja feita de forma segura, evitando, assim, eventuais riscos jurídicos.

O influenciador pode registrar seu nome como marca?

Sim. O influenciador pode registrar a sua marca nominativa (nome próprio, ou nome do seu blog/página/ canal) e/ou sua marca mista.

Portanto, diante dessas considerações e da complexidade dos temas abordados, é sempre bom contar com um advogado de confiança para te auxiliar nesses assuntos.

Por fim, para te ajudar, elaboramos um material educativo sobre o tema, você pode fazer o download clicando aqui.

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Relação entre investidor-anjo e startup pode configurar sociedade em comum

Nos últimos anos, as startups ganharam posição de destaque no setor econômico brasileiro, proporcionando soluções inovadoras em diversos segmentos. A título ilustrativo, podemos citar as mais conhecidas: Nubank, Stone Pagamentos, Quinto Andar, iFood, Loggi, Gympass, entre outras empresas inovadoras brasileiras.

Segundo dados do Startup Base [1] da Associação Brasileira de Startups, hoje existem mais de 13 mil startups no Brasil, e quase quatro mil destas estão localizadas somente no estado de São Paulo [2].

De forma simples, as startups podem ser conceituadas como empresas com perfil inovador, dotadas de extrema incerteza quanto ao sucesso, com produto altamente escalável e que utilizam a tecnologia para o modelo de negócio.

Com a chegada do Inova Simples, em 2019, a Lei do Simples Nacional passou a prever expressamente o conceito de startup no artigo 65-A, § 1º, como sendo a “empresa de caráter inovador que visa a aperfeiçoar sistemas, métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou de produtos, os quais, quando já existentes, caracterizam startups de natureza incremental, ou, quando relacionados à criação de algo totalmente novo, caracterizam startups de natureza disruptiva”.

Frequentemente, as startups necessitam de capital de terceiros para viabilizar ou escalar as operações, ou seja, para obter o crescimento almejado. Nesse cenário, surge a figura importante do investidor-anjo, uma pessoa física que investe capital próprio.

O investidor-anjo geralmente é um empresário ou executivo que já obteve sucesso anteriormente com investimentos e possui recursos financeiros disponíveis para efetuar um investimento de risco. Além disso, é dotado de uma ampla rede de networking e de conhecimentos técnicos que podem auxiliar no desenvolvimento de uma startup. Em outras palavras, o investidor-anjo também atua como o mentor do negócio.

O termo “anjo”, aliás, vem dessas características, conhecidas como smart money.

Por que alguém investiria consideráveis recursos financeiros em uma startup?
Embora seja um investimento de alto risco pela pequena probabilidade de sucesso e pela liquidez muito baixa, em caso de sucesso, o prêmio pode vir a ser grande. Isso porque o retorno financeiro usualmente é superior a dez vezes o valor investido.

Em pesquisa realizada pela Anjos do Brasil [3], somente no ano de 2018 os valores do investimento-anjo no Brasil atingiram a marca expressiva de R$ 979 milhões [4].

Essa modalidade de investimento tem ganhado tanta força que, mesmo durante a pandemia causada pela Covid-19, os investimentos continuam [5].

Afinal, existe o risco de a relação entre investidor-anjo e startup configurar sociedade em comum?
O risco existe.

Em primeiro lugar, convém citar que, entre outros instrumentos jurídicos, o investidor-anjo geralmente investe em startups por meio do contrato de mútuo conversível ou pelo contrato de participação, este regulado pelos artigos 61-A a 61-D da Lei do Simples Nacional e pouco utilizado na prática.

Em segundo, a sociedade em comum, conforme terminologia adotada pelo Código Civil, classificada pela doutrina em sociedade irregular ou sociedade de fato, é aquela que ainda não registrou seus atos constitutivos no órgão competente. Detalhadamente, a sociedade de fato sequer possui os atos constitutivos escritos, e a sociedade irregular possui os atos constitutivos escritos, mas sem registro no órgão competente.

Sabe-se que a configuração de sociedade em comum acarreta a responsabilidade solidária e ilimitada de todos os sócios pelas obrigações sociais, sendo excluído o benefício de ordem, conforme preceitua o artigo 990 do Código Civil.

Em outras palavras, se configurada a sociedade em comum, o patrimônio pessoal do investidor-anjo ficaria exposto aos riscos do negócio objeto do investimento, de forma solidária e ilimitada.

Em terceiro, o artigo 987 do Código Civil, o qual deve ser interpretado extensivamente [6], prevê que a existência da sociedade em comum pode ser provada por terceiros mediante qualquer meio probatório, bastando a comprovação da união de esforços para negócio específico.

Isso quer dizer que a prova testemunhal, uma sequência de e-mails ou até mesmo conversas por aplicativos de mensagens podem comprovar essa circunstância.

Com efeito, o risco da configuração da sociedade em comum, por meio de decisão judicial, decorre diretamente das atitudes do investidor-anjo ou de eventuais previsões do contrato de investimento.

No entanto, a análise deve ser feita caso a caso.

Supondo que o investidor-anjo (smart money) tenha uma postura ativa, de sócio, participando diretamente de relações comerciais com terceiros, de modo a indicar a presença da affectio societatis, tal circunstância poderá acarretar o reconhecimento da sociedade em comum.

A título de exemplo, imagine que na condição de mentor o investidor-anjo participe diretamente de negociações contratuais de uma startup, com influência direta nos objetos e valores tratados. Neste caso, também existirá o risco da configuração da sociedade em comum.

Por outro lado, convém destacar que se além do aporte financeiro, o investidor-anjo tão somente oferecer instruções e networking, o risco será praticamente inexistente.

Sobre o tema, Silva Filho [7] destaca precisamente que:

(…) A configuração de sociedade em comum depende (das) especificidades de cada caso. Fato é que o comportamento das partes perante terceiros é definidor nessa análise. Podemos admitir, de forma geral, que poderão servir de fundamento para a configuração de sociedade em comum: I) a inclusão, em um contrato conversível de cláusulas que confiram ao investidor-anjo direitos que muito o aproximam da condição de sócio; e II) a adoção, pelo investidor-anjo, de comportamento que o aproxime demasiadamente da posição dos sócios (atuação perante terceiros na consecução do objeto social da sociedade)”.

Nesse cenário, vê-se que existe a possibilidade da configuração de sociedade em comum, a ser reconhecida por decisão judicial, de modo a acarretar responsabilidade solidária e ilimitada do investidor, exigindo atenção.

A correta estruturação do investimento, seguida pela devida orientação ao investidor são medidas fundamentais à mitigação do risco de configuração da sociedade em comum, tornando o investimento seguro sob o aspecto jurídico.

Portanto, os cuidados jurídicos se revelam essenciais ao investidor-anjo, não só na elaboração dos contratos de investimento, mas também em momentos posteriores, demandando assessoria jurídica especializada, com vivência na área de investimentos em startups, fundamental à segurança do patrimônio pessoal do investidor.


[1] Base de dados oficial do ecossistema brasileiro de startups.

[2] Startups pelo Brasil; Estatísticas. Disponível em: <https://startupbase.com.br/home/stats> Acesso em: 30/6/2020.

[3] Anjos do Brasil é uma organização sem fins lucrativos, fundada em 2011, e tem como missão fomentar o empreendedorismo brasileiro, com endereço eletrônico www.anjosdobrasil.net.

[4] O crescimento do investimento anjo; Pesquisa 2019 ano-base 2018. Disponível em: <https://www.anjosdobrasil.net/uploads/7/9/5/6/7956863/evolução_do_investimento_anjo_no_brasil_-_resultados_da_pesquisa_2019_ano_base_2018_-_anjos_do_brasil.pdf> Acesso em: 30/6/2020.

[5] As oportunidades no mercado de startups durante a crise; NYBO, Erik. Disponível em: <https://startupi.com.br/2020/04/as-oportunidades-no-mercado-de-startups-durante-a-crise/> Acesso em: 30/6/2020.

[6] (…) De resto, o conceito de “prova escrita” a que se refere o artigo 987 do Código Civil deve ser interpretado extensivamente, em linha com a doutrina comercialista, o princípio imemorial de direito que veda o enriquecimento sem causa e a uníssona jurisprudência do STJ. Reforma parcial da sentença recorrida, com afastamento da condenação por litigância de má-fé. Apelação a que se dá parcial provimento. (TJSP; Apelação Cível 1003179-83.2018.8.26.0004; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 1ª VARA EMPRESARIAL E CONFLITOS DE ARBITRAGEM; Data do Julgamento: 3/10/2019; Data de Registro: 3/10/2019)

[7] SILVA FILHO, Emanoel Lima. Contratos de Investimento em Startups: Os riscos do Investidor-Anjo. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 121.