Esse artigo não tem como finalidade incentivar o uso, posse, porte ou comércio irregular de drogas. O artigo aborda o uso medicinal do CBD, de acordo com as normas da ANVISA e prescrição por médico habilitado.
O direito à saúde está expressamente previsto no artigo 196 da Constituição Federal, como sendo dever do Estado, a ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Com a facilitação do acesso à Justiça, está crescendo judicialização da saúde, por meio de demandas que objetivam internações, leitos, reparação por erros médicos, fornecimento de órteses e medicamentos, inclusive os de alto custo.
Paralelamente, nos últimos anos, o número de pesquisas relacionados ao uso do Canabidiol (CBD), para fins medicinais, também cresceu.
Em território nacional, podemos citar que a USP e a UNICAMP têm realizado pesquisas sobre o uso da cannabis e dos seus derivados para finalidade terapêutica[1][2], em especial, o uso do canabidiol.
Além disso, diante da necessidade de obter licitamente material para as pesquisas, algumas universidades conseguiram autorização para o plantio de maconha, como, por exemplo, a Universidade Federal de Viçosa e a UFRJ[3].
No tocante ao exemplo acima, segundo matéria publicada na Revista Globo Rural[4], as “pesquisas nas duas escolas [UFV e UFRJ] vão permitir o cultivo de variedades chamadas genericamente de cânhamo ou cannabis industrial. Essas plantas têm menos de 0,3% de tetra-hidrocanabinol (THC), componente psicotrópico presente nas flores da planta. São variedades que ‘não dão barato’ por isso não interessam ao mercado ilegal”.
O canabidiol (CBD) é uma das várias substâncias encontradas na maconha (chamadas de canabinoides) que agem no sistema nervoso central. Ao contrário do que o senso comum imagina, o CBD não possui efeito psicoativo, bem como não tem capacidade de causar euforia ou qualquer sensação entorpecente.
Convém ressaltar, aqui, que este artigo não trata do consumo “recreativo” ou “adulto” da maconha, mas apenas do uso terapêutico do canabidiol, para o tratamento de doenças como epilepsia, esclerose múltipla, doença de Parkinson, esquizofrenia, ansiedade, depressão, dor crônica, fobias sociais, entre outras enfermidades.
O avanço das pesquisas, por sua vez, chamou atenção da ANVISA, a qual passou a regulamentar o tema. Hoje, ainda que de forma tímida, o mencionado órgão vem analisando as possibilidades do uso terapêutico do CBD.
A evolução das normas da ANVISA sobre a prescrição e importação de produtos à base de canabidiol
Em 2015, a ANVISA publicou a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 17, a qual define os critérios e os procedimentos para a importação, em caráter de excepcionalidade, de produto à base de Canabidiol em associação com outros canabinóides, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde.
Posteriormente, após consulta pública, por meio da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 327, de 09 de dezembro de 2019, autorizou a fabricação e a importação de produtos de Cannabis, excluindo, assim, a regulamentação do plantio do respectivo vegetal.
Em 2020, a ANVISA publicou a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 335, a qual define os critérios e os procedimentos para a importação de Produto derivado de Cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde.
Apesar dos esforços da ANVISA, ocorre que, de uma forma geral, o tratamento com canabidiol não é financeiramente acessível a grande parte da população brasileira.
O custo do tratamento, a depender da necessidade e da prescrição médica, pode variar entre R$ 500,00 e R$ 3.000,00 mensais, circunstância que causou o início da judicialização de medicamentos à base do canabidiol.
Judicialização de medicamentos com canabidiol
Diante do cenário acima, em especial do alto custo dos medicamentos que contém canabidiol, hoje é possível encontrar ações judiciais que buscam o fornecimento desses remédios ajuizadas contra a União, Estados e Municípios, bem como contra operadoras de planos de saúde. Em alguns casos, verificados por meio de pesquisas nos tribunais, é possível ver que os autores/pacientes obtiveram sucesso nas demandas judiciais[5].
Por outro lado, também é possível encontrar casos de pacientes, financeiramente hipossuficientes, que obtiveram salvo-conduto para plantar e extrair o CBD na sua própria residência, por meio de habeas corpus preventivo, e até mesmo importar sementes da Cannabis Sativa L, valendo-se da mesma ação constitucional[6].
Em um dos habeas corpus pesquisados no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o qual teve recurso em sentido estrito julgado pelo Desembargador Relator Ricardo Sale Júnior[7], é possível verificar que o i. Julgador, ao analisar os anseios dos impetrantes, destacou precisamente que:
“não obstante os impetrantes tenham iniciado o cultivo do vegetal sem autorização para tanto, não vislumbro má-fé em sua conduta, tanto que buscaram, junto ao Poder Judiciário, a regularização de tal situação, em vez de permanecer na clandestinidade […] a concessão do salvo-conduto aos recorrentes é medida que se impõe, em observância à garantia dos direitos fundamentais ora em xeque, devendo tais direitos prevalecer sobre o interesse punitivo do Estado, mormente em se tratando de conduta destinada à obtenção de produto com finalidade exclusivamente medicinal e na qual não vislumbro qualquer juízo de reprovabilidade”.
Ricardo Sale Júnior, no julgamento do RSE n. 1016472-58.2020.8.26.0196, 15/10/2020.
As demandas judiciais que versam sobre o tratamento com produto à base de CBD ainda são raras, mas vêm aumentando com o passar do tempo[8], em especial após as regulamentações feitas pela ANVISA.
Portanto, embora o uso do canabidiol para fins medicinais esteja ganhando espaço nas cortes brasileiras, especialmente no que diz respeito à judicialização da saúde, ainda é tema que demanda cuidado e orientação profissional, pois trata-se de tema controverso e que não está pacificado nos tribunais.
Também é bom lembrar que a posse de drogas para consumo pessoal caracteriza crime, bem como o delito de tráfico de drogas prevê penas de até 15 anos de reclusão. Além disso, o tratamento com o uso CBD pressupõe obediência às normas da ANVISA, bem como prescrição por profissional (médico) habilitado, o qual analisará a necessidade do uso desse tipo medicamento.
Por fim, antes de qualquer medida, converse sempre com um médico e/ou advogado de confiança sobre o assunto. O descumprimento da legislação nacional pode acarretar sanções penais e administrativas. Ressalta-se que não existe permissão para o uso recreativo de entorpecentes no Brasil.
Alertas e considerações finais
PS: Este autor não recomenda, em hipótese alguma, o cultivo da Cannabis Sativa L, nem mesmo para a extração do “CBD”, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, pois tal conduta configura crime, punido com reclusão.
PS1: O autor é contra o uso recreativo ou “adulto” de qualquer tipo de drogas. O uso drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, é crime e, a depender das circunstâncias do caso concreto, pode configurar o delito de tráfico de drogas, o qual prevê penas de até 15 anos de reclusão.
PS2: Este Autor também não recomenda, em hipótese alguma, a importação de medicamento com CBD ou de qualquer produto relacionado à Cannabis Sativa L, sem autorização específica da ANVISA.
PS3: Reitera-se, por fim, que esse artigo não tem como finalidade incentivar o consumo ou comércio irregular de drogas ou medicamentos.
[1] Unicamp e Entourage Phytolab firmam parceria de pesquisa sobre cannabis para uso medicinal. Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2020/01/24/unicampe-entourage-phytolab-firmam-parceria-de-pesquisa-sobre-cannabis-para – Acesso em 10.09.2020.
[2] USP tem a maior produção científica mundial sobre canabidiol. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/usp-tem-a-maior-producao-cientifica-mundial-sobre-canabidiol/ – Acesso em 15.11.2020.
[3]https://revistagloborural-globo com.cdn.ampproject.org/c/s/revistagloborural.globo.com/amp/Noticias/Pesquisa-e-Tecnologia/noticia/2020/11/universidades-federais-plantam-maconha-com-aval-da-justica-para-estudos-ineditos-no-brasil.html – Acesso em 29.11.2020.
[4] Universidades federais plantam maconha com aval da Justiça para estudos inéditos no Brasil. Disponível em https://revistagloborural-globo-com.cdn.ampproject.org/c/s/revistagloborural.globo.com/amp/Noticias/Pesquisa-e-Tecnologia/noticia/2020/11/universidades-federais-plantam-maconha-com-aval-da-justica-para-estudos-ineditos-no-brasil.html. Acesso em 29.11.2020.
[5] TJ-SP, Processos n. 3001434-75.2020.8.26.0000, 2143800-57.2020.8.26.0000, 1011979-87.2019.8.26.0482, 2171526-06.2020.8.26.0000.
[6] Decisões do TJ-SP: Recurso em Sentido Estrito n. 1016472-58.2020.8.26.0196, Remessa Necessária Criminal n. 1000493-43.2019.8.26.0050, Remessa Necessária Criminal n. 1000732-94.2018.8.26.0563 e Habeas Corpus n. 0011944-38.2019.8.26.0000.
[7] No julgamento do RSE n. 1016472-58.2020.8.26.0196, 15/10/2020.
[8] https://valor.globo.com/empresas/noticia/2019/10/06/aes-judiciais-para-acesso-cannabis-crescem-1750-pontos-percentuais-em-quatro-anos-em-so-paulo.ghtml